Imaginem que um bom amigo de vocês avisa que num copo d’água há veneno. Ainda que vocês estivessem com muita sede, vocês tomariam do líquido?
Em sã consciência, certamente não, afinal, venenos nos causam mal, podendo até matar, dependendo da quantidade.
Eis que no Budismo fala-se dos venenos da mente: inveja, raiva, apego, orgulho e ignorância. Eles recebem o nome de venenos justamente porque prejudicam nossa saúde e podem matar ou levar a matar, dependendo da dose.
Isso pode suscitar o seguinte pensamento em nós: é, realmente, essas emoções são de fato prejudiciais, mas de certa forma fazem parte da nossa vida, afinal somos seres humanos, temos nossas emoções, nossos altos e baixos.
Pois é. Essas emoções negativas ou venenos, de fato, estão bastante presentes e são muito comuns em nosso dia-a-dia. Por isso, temos a tendência de pensar “Isso faz parte de nós, o ser humano é assim”. Nem passa pela nossa cabeça que podemos estar agindo assim por puro hábito! Porque nesta vida (e provavelmente em outras) agimos assim por muitas vezes, então quando alguém levanta a voz conosco, nós levantamos a voz também, sem pensar. Isso é automático.
Imagine se o contrário fosse verdadeiro, ou seja, se isso não fosse automático. Você certamente nunca ouviu alguém dizer: “Olhe que coisa desagradável, você levantou a voz comigo, vou ficar com raiva agora! Um, dois, três e já! Estou com raiva!”.
Nós nem percebemos e estamos contaminados pelos venenos. Então, não há inimigos externos para os nossos problemas pessoais, nem para os problemas do âmbito da sociedade. O inimigo verdadeiro são as emoções negativas. Investigue cuidadosamente esse inimigo e perceba se ele faz mal ou não.
Não basta perceber que faz mal, afinal isso é bem fácil. Gere uma convicção profunda sobre isso.
Tendo em vista os males provocados pela emoções negativas e nossa tendência a utilizá-las, devemos alimentar a nossa mente com comida positiva. E o alimento deve ser dado com regularidade. Ou algum dia você pensou em ficar sem nenhuma refeição? Assim como o corpo físico precisa de comida diariamente, nossa mente também precisa. Por isso, tenha uma prática espiritual regular e sistemática e pratique meditação.
Uma mente bem alimentada é uma mente feliz, estável. Aconteça o que acontecer, não devemos deixar nossa mente ficar infeliz, pois a infelicidade é o alimento para a raiva.
A forma como pensamos e vemos as coisas é a fonte de nossa felicidade. Alimentar a mente com “comida positiva” significa irrigar as sementes de amor e compaixão. Portanto, mais uma vez, aconteça o que acontecer, não deixe sua mente ficar infeliz, por maior que possa parecer seu problema, pense nas várias vantagens e coisas boas da sua vida e foque sua mente nisso.
http://bodisatva.com.br/veneno-no-copo-d-agua
As epidemias e seus bodes expiatórios
Por DONALD G. McNEIL Jr.
Quem foi o culpado pela Peste Negra? Na Europa medieval, a culpa era atribuída aos judeus com tamanha frequência e brutalidade que é até surpreendente que a doença não tenha sido chamada de Peste Judaica. No auge da pandemia no continente, entre 1348 e 1351, mais de 200 comunidades judaicas foram erradicadas, sendo seus habitantes acusados de difundir a doença ou envenenar poços.
A gripe suína de 2009 não é nem de longe tão virulenta, nem as reações que ela acarreta. Mas, como em outras pandemias da história da humanidade, alguém tem de levar a culpa.
Primeiro, foram os mexicanos. Políticos dos EUA chegaram a propor o fechamento da fronteira com o México. Em maio, um jogador mexicano de futebol cuspiu em um adversário chileno que o teria chamado de “leproso”, e a imprensa chilena o acusou de guerra biológica. Mas, em junho, argentinos apedrejaram ônibus chilenos, dizendo que eles levavam a doença. Quando o número de casos na Argentina disparou, governos europeus aconselharam seus cidadãos a não visitar esse país.
“Quando a doença ataca e os seres humanos sofrem, (…) infelizmente a identificação de um bode expiatório é às vezes inevitável”, disse Liise-Anne Pirofski, chefe do departamento de doenças infecciosas da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York.
Uma recente exposição chamada “O Tesouro de Erfurt”, no Museu da Universidade Yeshiva, em Manhattan, apresentou uma lembrança oportuna e deprimente desse hábito demasiadamente humano. Uma arca com mais de 600 joias de ouro, inclusive uma magnífica aliança de casamento do século 14, foi achada em escavações no local onde existira um vibrante bairro judeu em Erfurt, na Alemanha. Ela continha também 3.141 moedas de prata, a maioria com retratos reais; o último rei retratado havia morrido em 1350.
Isso, segundo Gabriel Goldstein, diretor-associado de exposições do museu, sugere fortemente que o material foi enterrado em 1349, o ano em que a peste chegou a Erfurt.
“Por que colocar tamanha carteira de investimentos no chão e deixá-la ali por 700 anos?”, perguntou ele. “Havia uma grande revolta contra os judeus de Erfurt —os registros dizem que cem ou mil foram mortos. Aparentemente, quem escondeu isso morreu e nunca mais voltou.”
Martin Blaser, historiador ligado à escola de medicina da Universidade de Nova York, oferece uma intrigante hipótese de por que os judeus se tornaram bodes expiatórios na Peste Negra: eles foram em grande parte poupados, em comparação a outros grupos, porque os grãos eram retirados das suas casas durante o Pessach (Páscoa judaica), desestimulando a entrada dos ratos, que difundiam a doença. O auge da peste foi na primavera, na época do Pessach.
O fato é que as doenças são tão complexas que atribuir culpas é inútil, e simplesmente afastar a culpa pode ser mais eficiente.
Durante a Peste Negra, o papa Clemente 6° baixou um édito dizendo que os judeus não eram culpados. Tampouco a culpa era dos pecados da humanidade —isso teria confortado os Flagelantes, uma seita que era o verdadeiro alvo da bula papal; eles costumavam comandar ataques de multidões aos judeus e à hierarquia corrupta da Igreja. Levaria 500 anos até que a “teoria dos germes” explicasse a doença.
O papa atribuiu a culpa a um alvo que dificilmente revidaria as acusações: a um mau alinhamento entre Marte, Júpiter e Saturno.
The New York Times/Folha de S. Paulo, 14 de setembro de 2009.
Quem foi o culpado pela Peste Negra? Na Europa medieval, a culpa era atribuída aos judeus com tamanha frequência e brutalidade que é até surpreendente que a doença não tenha sido chamada de Peste Judaica. No auge da pandemia no continente, entre 1348 e 1351, mais de 200 comunidades judaicas foram erradicadas, sendo seus habitantes acusados de difundir a doença ou envenenar poços.
A gripe suína de 2009 não é nem de longe tão virulenta, nem as reações que ela acarreta. Mas, como em outras pandemias da história da humanidade, alguém tem de levar a culpa.
Primeiro, foram os mexicanos. Políticos dos EUA chegaram a propor o fechamento da fronteira com o México. Em maio, um jogador mexicano de futebol cuspiu em um adversário chileno que o teria chamado de “leproso”, e a imprensa chilena o acusou de guerra biológica. Mas, em junho, argentinos apedrejaram ônibus chilenos, dizendo que eles levavam a doença. Quando o número de casos na Argentina disparou, governos europeus aconselharam seus cidadãos a não visitar esse país.
“Quando a doença ataca e os seres humanos sofrem, (…) infelizmente a identificação de um bode expiatório é às vezes inevitável”, disse Liise-Anne Pirofski, chefe do departamento de doenças infecciosas da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York.
Uma recente exposição chamada “O Tesouro de Erfurt”, no Museu da Universidade Yeshiva, em Manhattan, apresentou uma lembrança oportuna e deprimente desse hábito demasiadamente humano. Uma arca com mais de 600 joias de ouro, inclusive uma magnífica aliança de casamento do século 14, foi achada em escavações no local onde existira um vibrante bairro judeu em Erfurt, na Alemanha. Ela continha também 3.141 moedas de prata, a maioria com retratos reais; o último rei retratado havia morrido em 1350.
Isso, segundo Gabriel Goldstein, diretor-associado de exposições do museu, sugere fortemente que o material foi enterrado em 1349, o ano em que a peste chegou a Erfurt.
“Por que colocar tamanha carteira de investimentos no chão e deixá-la ali por 700 anos?”, perguntou ele. “Havia uma grande revolta contra os judeus de Erfurt —os registros dizem que cem ou mil foram mortos. Aparentemente, quem escondeu isso morreu e nunca mais voltou.”
Martin Blaser, historiador ligado à escola de medicina da Universidade de Nova York, oferece uma intrigante hipótese de por que os judeus se tornaram bodes expiatórios na Peste Negra: eles foram em grande parte poupados, em comparação a outros grupos, porque os grãos eram retirados das suas casas durante o Pessach (Páscoa judaica), desestimulando a entrada dos ratos, que difundiam a doença. O auge da peste foi na primavera, na época do Pessach.
O fato é que as doenças são tão complexas que atribuir culpas é inútil, e simplesmente afastar a culpa pode ser mais eficiente.
Durante a Peste Negra, o papa Clemente 6° baixou um édito dizendo que os judeus não eram culpados. Tampouco a culpa era dos pecados da humanidade —isso teria confortado os Flagelantes, uma seita que era o verdadeiro alvo da bula papal; eles costumavam comandar ataques de multidões aos judeus e à hierarquia corrupta da Igreja. Levaria 500 anos até que a “teoria dos germes” explicasse a doença.
O papa atribuiu a culpa a um alvo que dificilmente revidaria as acusações: a um mau alinhamento entre Marte, Júpiter e Saturno.
The New York Times/Folha de S. Paulo, 14 de setembro de 2009.
"E muita gente que vai dar aulas na universidade não é tão brilhante assim ou tão interessada em conhecimento."
Um relatório para a Academia
Cálculos para garantia do emprego ocupam o tempo da classe acadêmica
CLÓVIS ROSSI pergunta em sua coluna do dia 8 de setembro, página A2, se no Brasil vivemos algo como o que acontece na vida universitária da Espanha hoje: desinteresse dos alunos e asfixia burocrática dos professores. Sim, há semelhanças.
Nos anos 50, o filósofo norte-americano Russel Kirk descrevia um fenômeno interessante nas universidades americanas.
A partir do momento em que a vida acadêmica se tornou objetivo da "classe média", gente sem posses, a vida universitária entrou em agonia porque a proletarização dos acadêmicos se tornou inevitável.
Dar aula numa universidade passou a ter algum significado de ascensão social. A partir de então o carreirismo necessariamente assolaria a academia, assim como assola qualquer emprego.
Cálculos estratégicos para garantia do emprego passaram a ocupar o tempo da classe acadêmica. E muita gente que vai dar aulas na universidade não é tão brilhante assim ou tão interessada em conhecimento.
O cálculo estratégico hoje passa pelo número de alunos que implica uma redução ou não de aulas e orientações de teses.
Ou mesmo nas públicas, onde você está mais protegido da proletarização imediata, uma verba maior ou menor para seu projeto e mais ou menos discípulos causarão impacto na renda final e na imagem pública.
Daí o desenvolvimento em nós de um espírito selvagem: o corporativismo em detrimento do ensino ou o ethos de gangues em meio à retórica da qualidade.
Muitas pessoas (alunos e professores) buscam a universidade não para "conhecer" o mundo, mas sim "para transformá-lo" ou ascender socialmente.
E aqui, revolucionários ("criando o mundo que eles acham melhor") e burgueses (interessados em aprender informática para "melhorarem de vida") se dão as mãos.
Este pode ser mais individualista do que o outro, mas ambos fazem da universidade uma tenda de utilidades.
Para mim não faz muita diferença, para a banalização da universidade, se você quer formar gestores de negócios ou gestores de favelas. Nenhum dos dois está interessado em "conhecer" o mundo, mas sim "transformá-lo".
É claro que nos gestores de favelas o espírito selvagem pode funcionar tão bem quanto entre os gestores de negócios. A obrigação da universidade em produzir "conhecimento de impacto social" é tão instrumental quanto produzir especialistas na última versão do Windows.
O utilitarismo quase sempre ama a mediocridade intelectual. Falemos a verdade: a mediocridade funciona.
Ela gera lealdades, produz resultados em massa, convive bem com a estatística, evita grandes ideias. Enfim, caminha bem entre pessoas acuadas pela demanda de sobreviver.
A instrumentalização é quase sempre outro nome para utilitarismo. Isso não quer dizer que devamos excluir da universidade as almas que querem ser gestores de negócios ou gestores de favelas -elas é que excluem todo o resto.
Precisamos dos dois tipos de almas, e cá entre nós, acho que os gestores de favelas são moralmente mais perigosos do que os gestores de negócios. Como todos nós, ambos irão para o inferno, a diferença é que os gestores de favelas acham que não.
E a asfixia burocrática? Ahhh, a asfixia burocrática! Esta contamina tudo e em nome da democratização da produção e da produtividade da produção.
A burocracia na universidade nasce, como toda burocracia, da necessidade de organização, controle, avaliação.
Não é um sintoma externo a busca de aperfeiçoamento do sistema, é parte intrínseca ao sistema. A pressão pela produtividade proletariza tanto quanto a pressão pela carreira.
Soa absurdo, caro leitor? Quer mais?
Em nome da transparência da produção, atolamos esses indivíduos de classe média na burocracia da transparência e do acesso à produção universitária.
Enfim, a "produção" asfixia a universidade em nome de uma "universidade mais produtiva, democrática e transparente em sua produtividade". Estamos sim falando da passagem da universidade a banal categoria de indústria de conhecimento aplicado, e sob as palmas bobas de quem quer "fazer o mundo melhor". Tudo bem que queira, mas reconheça sua participação na comédia.
Kafka, em seu conto "Um Relatório para a Academia", já colocava um ex-macaco, recém-homem, fazendo um relatório para os acadêmicos.
Ali ele já suspeitava que a academia continha algo de circo ou show de variedades. Hoje sabemos que isto já aconteceu.
LUIZ FELIPE PONDÉ
Folha de S. Paulo, 14 de setembro de 2009.
Cálculos para garantia do emprego ocupam o tempo da classe acadêmica
CLÓVIS ROSSI pergunta em sua coluna do dia 8 de setembro, página A2, se no Brasil vivemos algo como o que acontece na vida universitária da Espanha hoje: desinteresse dos alunos e asfixia burocrática dos professores. Sim, há semelhanças.
Nos anos 50, o filósofo norte-americano Russel Kirk descrevia um fenômeno interessante nas universidades americanas.
A partir do momento em que a vida acadêmica se tornou objetivo da "classe média", gente sem posses, a vida universitária entrou em agonia porque a proletarização dos acadêmicos se tornou inevitável.
Dar aula numa universidade passou a ter algum significado de ascensão social. A partir de então o carreirismo necessariamente assolaria a academia, assim como assola qualquer emprego.
Cálculos estratégicos para garantia do emprego passaram a ocupar o tempo da classe acadêmica. E muita gente que vai dar aulas na universidade não é tão brilhante assim ou tão interessada em conhecimento.
O cálculo estratégico hoje passa pelo número de alunos que implica uma redução ou não de aulas e orientações de teses.
Ou mesmo nas públicas, onde você está mais protegido da proletarização imediata, uma verba maior ou menor para seu projeto e mais ou menos discípulos causarão impacto na renda final e na imagem pública.
Daí o desenvolvimento em nós de um espírito selvagem: o corporativismo em detrimento do ensino ou o ethos de gangues em meio à retórica da qualidade.
Muitas pessoas (alunos e professores) buscam a universidade não para "conhecer" o mundo, mas sim "para transformá-lo" ou ascender socialmente.
E aqui, revolucionários ("criando o mundo que eles acham melhor") e burgueses (interessados em aprender informática para "melhorarem de vida") se dão as mãos.
Este pode ser mais individualista do que o outro, mas ambos fazem da universidade uma tenda de utilidades.
Para mim não faz muita diferença, para a banalização da universidade, se você quer formar gestores de negócios ou gestores de favelas. Nenhum dos dois está interessado em "conhecer" o mundo, mas sim "transformá-lo".
É claro que nos gestores de favelas o espírito selvagem pode funcionar tão bem quanto entre os gestores de negócios. A obrigação da universidade em produzir "conhecimento de impacto social" é tão instrumental quanto produzir especialistas na última versão do Windows.
O utilitarismo quase sempre ama a mediocridade intelectual. Falemos a verdade: a mediocridade funciona.
Ela gera lealdades, produz resultados em massa, convive bem com a estatística, evita grandes ideias. Enfim, caminha bem entre pessoas acuadas pela demanda de sobreviver.
A instrumentalização é quase sempre outro nome para utilitarismo. Isso não quer dizer que devamos excluir da universidade as almas que querem ser gestores de negócios ou gestores de favelas -elas é que excluem todo o resto.
Precisamos dos dois tipos de almas, e cá entre nós, acho que os gestores de favelas são moralmente mais perigosos do que os gestores de negócios. Como todos nós, ambos irão para o inferno, a diferença é que os gestores de favelas acham que não.
E a asfixia burocrática? Ahhh, a asfixia burocrática! Esta contamina tudo e em nome da democratização da produção e da produtividade da produção.
A burocracia na universidade nasce, como toda burocracia, da necessidade de organização, controle, avaliação.
Não é um sintoma externo a busca de aperfeiçoamento do sistema, é parte intrínseca ao sistema. A pressão pela produtividade proletariza tanto quanto a pressão pela carreira.
Soa absurdo, caro leitor? Quer mais?
Em nome da transparência da produção, atolamos esses indivíduos de classe média na burocracia da transparência e do acesso à produção universitária.
Enfim, a "produção" asfixia a universidade em nome de uma "universidade mais produtiva, democrática e transparente em sua produtividade". Estamos sim falando da passagem da universidade a banal categoria de indústria de conhecimento aplicado, e sob as palmas bobas de quem quer "fazer o mundo melhor". Tudo bem que queira, mas reconheça sua participação na comédia.
Kafka, em seu conto "Um Relatório para a Academia", já colocava um ex-macaco, recém-homem, fazendo um relatório para os acadêmicos.
Ali ele já suspeitava que a academia continha algo de circo ou show de variedades. Hoje sabemos que isto já aconteceu.
LUIZ FELIPE PONDÉ
Folha de S. Paulo, 14 de setembro de 2009.
O silêncio é o mais acertado.
Mark Rothko
“I’m not an abstractionist. I’m not interested in the relationship of colour or form or anything else. I’m interested only in expressing basic human emotions: tragedy, ecstasy, doom, and so on … The fact that people break down and cry when confronted with my pictures shows that I can communicate those basic human emotions … the people who weep before my pictures are having the same religious experience I had when painting them.”
“I’m not an abstractionist. I’m not interested in the relationship of colour or form or anything else. I’m interested only in expressing basic human emotions: tragedy, ecstasy, doom, and so on … The fact that people break down and cry when confronted with my pictures shows that I can communicate those basic human emotions … the people who weep before my pictures are having the same religious experience I had when painting them.”
McLanche Infeliz
LUIZ FELIPE PONDÉ
POBRE FAMÍLIA . Esmagada entre teorias sobre seu fim ou sua transformação em mera empresa que gera jovens consumidores e gestores de carreiras, a família se despedaça sob a bota da instrumentalização da vida. Perdoe-me o leitor por contaminar sua segunda-feira com palavras de horror. Sou obrigado a fazê-lo.
E mais. Pais atormentados por mudanças que desqualificam seu lugar de homens despencam num abismo de sensibilidades, no fundo indesejadas por suas parceiras. Mães espremidas pelas obrigações advindas da emancipação de sua condição de mulher, ameaçadas pela solidão de quem aposta demasiadamente nas propagandas de sucesso pessoal, no fundo apavoradas como sempre estiveram pela deformação de seus corpos diante do desejo ávido masculino por mulheres cada vez mais jovens. Homens e mulheres acuados pela imensa montanha de idealizações.
A dependência de especialistas em como educar filhos se torna mais aguda do que a dependência do sexo, do álcool ou do tabaco. Bom o tempo em que tudo que temíamos era a luxúria dos corpos que ardiam na escuridão dos quartos. A insegurança de cada passo mostra seus dentes diante dos filhos que crescem ao sabor de um mundo que se torna cada vez mais exigente e, por isso mesmo, mais cruel. A associação entre demanda de sucesso e crueldade parece escapar aos especialistas na vida bem sucedida.
O fracasso é o pai do humano que se quer humano. Eis o maior de todos os impasses. Alguns praticantes das ciências parecem analfabetos tolos diante desta máxima e, por isso, repetem alegres suas crenças bobas nos instrumentos do progresso. Enganam-se, em sua infância intelectual, quando pensam que nós, céticos desta Babel, amamos o sofrimento, quando na realidade sabemos apenas de sua inevitabilidade como condição da humanização. É uma ciência da inevitabilidade do sofrimento que falta a estas almas superficiais que ainda chafurdam nas crenças do século 18.
Esses chatos, montados em suas análises jurídicas, sociológicas e psicológicas, atormentam a família, que fica perdida em meio a uma ciência moralista que tem como uma de suas taras a intenção de provar a incompetência dos homens e das mulheres na labuta com suas crias. Agora esses chatos decidiram que vão mandar nas compras de sucrilhos e nas idas ao McDonald's.
Tomados pelo furor da lei, esses puritanos querem ensinar padre-nosso ao vigário, assumindo que os pais precisam de tutela na hora de comprar comida para seus filhos. Nada de bonequinhos, nada de brindes, apenas embalagens feias como caixotes soviéticos. Daqui a pouco, vão proibir mulheres bonitas nas propagandas e as gotas de cerveja que escorrem por suas saias curtas. Riscarão do mapa carros que desfilam homens charmosos. Uma verdadeira pedagogia do horror como higiene do bem.
O problema com este higienismo é que ele pensa combater em nome da liberdade, mas, na realidade, restringe ainda mais a liberdade, esmagando-a em nome desta senhora horrorosa que se chama "cidadania". Esta senhora, que tende ao desequilíbrio quando se faz cheia de vontades, nasceu sob o sangue da revolução francesa, e dela guarda seu gosto pela humilhação. Deve, portanto, permanecer sob "medicação", porque detesta o homem comum e sua miséria cotidiana que carrega nossa identidade mais íntima. Sob a égide da defesa do bem comum, ela, quando investida da condição de rainha louca da casa, amplia o sentido dessa "coisa pública" elevando-a a categoria de uma geometria moral da intolerância.
Deixe-nos em paz com nossos filhos mal educados, com maus hábitos alimentícios, viciados em televisão e computador, aos berros para ganhar o McLanche Feliz. A negação da liberdade vem acompanhada da afirmação do que é a liberdade certa. Liberdade sempre pressupõe o desgosto e uma certa desordem indesejável. Daqui a pouco, vão dizer que não podemos comprar chocolates com personagens infantis (como se o gosto do chocolate para uma criança fosse "apenas o gosto do chocolate").
Em seguida, obrigarão nossas crianças a ler livros com meninas beijando meninas e histórias onde Jesus era africano. Criarão aulas onde meninos aprendam a colocar camisinha em bananas com a boca, afinal a igualdade entre os sexos deve passar pelo esmagamento da privacidade suja dos preconceitos, como se a vida fosse possível sem sombras, sob o calor sufocante da luz.
Folha de S. Paulo, 7 de setembro de 2009
POBRE FAMÍLIA . Esmagada entre teorias sobre seu fim ou sua transformação em mera empresa que gera jovens consumidores e gestores de carreiras, a família se despedaça sob a bota da instrumentalização da vida. Perdoe-me o leitor por contaminar sua segunda-feira com palavras de horror. Sou obrigado a fazê-lo.
E mais. Pais atormentados por mudanças que desqualificam seu lugar de homens despencam num abismo de sensibilidades, no fundo indesejadas por suas parceiras. Mães espremidas pelas obrigações advindas da emancipação de sua condição de mulher, ameaçadas pela solidão de quem aposta demasiadamente nas propagandas de sucesso pessoal, no fundo apavoradas como sempre estiveram pela deformação de seus corpos diante do desejo ávido masculino por mulheres cada vez mais jovens. Homens e mulheres acuados pela imensa montanha de idealizações.
A dependência de especialistas em como educar filhos se torna mais aguda do que a dependência do sexo, do álcool ou do tabaco. Bom o tempo em que tudo que temíamos era a luxúria dos corpos que ardiam na escuridão dos quartos. A insegurança de cada passo mostra seus dentes diante dos filhos que crescem ao sabor de um mundo que se torna cada vez mais exigente e, por isso mesmo, mais cruel. A associação entre demanda de sucesso e crueldade parece escapar aos especialistas na vida bem sucedida.
O fracasso é o pai do humano que se quer humano. Eis o maior de todos os impasses. Alguns praticantes das ciências parecem analfabetos tolos diante desta máxima e, por isso, repetem alegres suas crenças bobas nos instrumentos do progresso. Enganam-se, em sua infância intelectual, quando pensam que nós, céticos desta Babel, amamos o sofrimento, quando na realidade sabemos apenas de sua inevitabilidade como condição da humanização. É uma ciência da inevitabilidade do sofrimento que falta a estas almas superficiais que ainda chafurdam nas crenças do século 18.
Esses chatos, montados em suas análises jurídicas, sociológicas e psicológicas, atormentam a família, que fica perdida em meio a uma ciência moralista que tem como uma de suas taras a intenção de provar a incompetência dos homens e das mulheres na labuta com suas crias. Agora esses chatos decidiram que vão mandar nas compras de sucrilhos e nas idas ao McDonald's.
Tomados pelo furor da lei, esses puritanos querem ensinar padre-nosso ao vigário, assumindo que os pais precisam de tutela na hora de comprar comida para seus filhos. Nada de bonequinhos, nada de brindes, apenas embalagens feias como caixotes soviéticos. Daqui a pouco, vão proibir mulheres bonitas nas propagandas e as gotas de cerveja que escorrem por suas saias curtas. Riscarão do mapa carros que desfilam homens charmosos. Uma verdadeira pedagogia do horror como higiene do bem.
O problema com este higienismo é que ele pensa combater em nome da liberdade, mas, na realidade, restringe ainda mais a liberdade, esmagando-a em nome desta senhora horrorosa que se chama "cidadania". Esta senhora, que tende ao desequilíbrio quando se faz cheia de vontades, nasceu sob o sangue da revolução francesa, e dela guarda seu gosto pela humilhação. Deve, portanto, permanecer sob "medicação", porque detesta o homem comum e sua miséria cotidiana que carrega nossa identidade mais íntima. Sob a égide da defesa do bem comum, ela, quando investida da condição de rainha louca da casa, amplia o sentido dessa "coisa pública" elevando-a a categoria de uma geometria moral da intolerância.
Deixe-nos em paz com nossos filhos mal educados, com maus hábitos alimentícios, viciados em televisão e computador, aos berros para ganhar o McLanche Feliz. A negação da liberdade vem acompanhada da afirmação do que é a liberdade certa. Liberdade sempre pressupõe o desgosto e uma certa desordem indesejável. Daqui a pouco, vão dizer que não podemos comprar chocolates com personagens infantis (como se o gosto do chocolate para uma criança fosse "apenas o gosto do chocolate").
Em seguida, obrigarão nossas crianças a ler livros com meninas beijando meninas e histórias onde Jesus era africano. Criarão aulas onde meninos aprendam a colocar camisinha em bananas com a boca, afinal a igualdade entre os sexos deve passar pelo esmagamento da privacidade suja dos preconceitos, como se a vida fosse possível sem sombras, sob o calor sufocante da luz.
Folha de S. Paulo, 7 de setembro de 2009